Meu pai nunca foi um exemplo de ‘grande pai’.
Tenho lembranças terríveis do Job em
tardes embriagadas na minha infância. Pai também nunca me acompanhou muito no
futebol, minha maior paixão da infância.
Ultimamente,
pela sua fragilidade psicológica e, talvez também a minha, andávamos mais
próximos. Foi a São Paulo no lançamento do meu livro e parecia orgulhoso. É o
que todos me disseram.
Mas pai era
um homem cheio de defeitos. Um humano da melhor qualidade.
Dizem que
quando nasci, em Ilha Solteira, só sabia ser amigos dos peões na Hidrelétrica e,
por isso, nunca tinha alcançado o posto de chefe. Pai sempre gostou de pretos ,
pobres e desvalidos. E, desde já, digo que essa é maior herança que herdei do
pai. Ele gostava de uma maneira visceral. Vivia a vida dos caras. Era amigo.
Comia junto, levava pra trabalhar no campo. Tinha uma espécie de amor pela ‘não-
soberba’.
Quero deixar
claro que pai sempre ajudou, no imediato das coisas, todo mundo. Um bico pra
esse, um dinheirinho praquele, uma roupa praquele outro. Nunca importou se ele
estivesse na igreja, no prostíbulo ou no bar. Negócio do pai era ajudar.
Agora, já no
final, me chamou um dia em sua casa e disse: “Filho, não brigue com as pessoas,
controle-se, não fale alto, meu filho, não leva a lugar nenhum”. Falo isto com
um misto de orgulho e raiva de mim mesmo, pois nunca consegui praticar com
elegância essa característica de mansuetude e franciscana do pai.
Com o sumiço
e a morte dele – recuso-me frontalmente a aceitar a morte, espiritualista que
sou - deu pra atestar, uma vez mais, o
quanto o pai era e é amado. Sujeito cheio de amigos e sem facebook. A polícia
ainda não sabe quem deu cabo do pai, ou se foi ele mesmo que deu cabo da vida. Mas
vai continuar. Pai não para no senão da vida.
Eu já chorei
o impossível, já briguei com ele no caixão, já fiz as pazes, o enterro é daqui
a pouquinho. Mas tenho uma certeza tão absurda da presença dele aqui que sinto a bronca dele comigo. Pai não
dizia, mas a gente sabia: ele gostava de me ler.
Então tá aqui
seu Jó, meus escritos, às 3 da manhã, no
teu velório. Há 2 dias sem dormir, seu filho sentou, parou e te pediu perdão. Mando dizer também
que te amo meu pai e que, daqui pra frente, não vai mudar muito a não ser que
serei mais você e menos eu.
Vou te deixar
um Guimarães Rosa, mineiro da tua terra, como forma de oração pra você e
agradecimento a essa gente que não tenho
condições de falar pessoalmente:
“— "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor
vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a
ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim
dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.”